terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Be Drunk

You have to be always drunk. That's all there is to it -- it's the only way. So as not to feel the horrible burden of time that breaks your back and bends you to the earth, you have to be continually drunk.
But on what?Wine, poetry or virtue, as you wish. But be drunk.
And if sometimes, on the steps of a palace or the green grass of a ditch, in the mournful solitude of your room, you wake again, drunkenness already diminishing or gone, ask the wind, the wave, the star, the bird, the clock, everything that is flying, everything that is groaning, everything that is rolling, everything that is singing, everything that is speaking. . .ask what time it is and wind, wave, star, bird, clock will answer you:"It is time to be drunk! So as not to be the martyred slaves of time, be drunk, be continually drunk! On wine, on poetry or on virtue as you wish."


Baudelaire

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Uma Gargalhada de Raparigas


Uma gargalhada de raparigas soa do ar da estrada.
Riu do que disse quem não vejo.
Lembro-me já que ouvi.
Mas se me falarem agora de uma gargalhada de rapariga da estrada,
Direi: não, os montes, as terras ao sol, o Sol, a casa aqui,
E eu que só oiço o ruído calado do sangue que há na minha vida dos dois lados da cabeça. 


Alberto Caeiro

domingo, 27 de janeiro de 2013

A sombra sou eu


A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei dó que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e que não me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!


Almada Negreiros

sábado, 26 de janeiro de 2013

O Último Sortilégio


«Já repeti o antigo encantamento
E a grande Deusa aos olhos se negou.
Já repeti, nas pausas do amplo vento,
As orações cuja alma é um ser fecundo.
Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.
Só o vento volta onde estou toda e só,
E tudo dorme no confuso mundo.

«Outrora meu condão fadava as sarças
E a minha evocação do solo erguia
Presenças concentradas das que esparsas
Dormem nas formas naturais das coisas.
Outrora a minha voz acontecia.
Fadas e elfos, se eu chamasse, via,
E as folhas da floresta eram lustrosas.

«Minha varinha, com que da vontade
Falava às existências essenciais,
Já não conhece a minha realidade.
Já, se o círculo traço, não há nada.
Murmura o vento alheio extintos ais,
E ao luar que sobe além dos matagais
Não sou mais do que os bosques ou a estrada.

«Já me falece o dom com que me amavam.
Já me não torno a forma e o fim da vida
A quantos que, buscando-os, me buscavam.
Já, praia, o mar dos braços não me inunda.
Nem já me vejo ao sol saudado erguida,
Ou, em êxtase mágico perdida,
Ao luar, à boca da caverna funda.

«Já as sacras potências infernais,
Que, dormentes sem deuses nem destino,
À substância das coisas são iguais,
Não ouvem minha voz ou os nomes seus.
A música partiu-se do meu hino.
Já meu furor astral não é divino
Nem meu corpo pensado é já um Deus.

«E as longínquas deidades do atro poço,
Que tantas vezes, pálida, evoquei
Com a raiva de amar em alvoroço,
Inevocadas hoje ante mim estão.
Como, sem que as amasse, eu as chamei,
Agora, que não amo, as tenho, e sei
Que meu vendido ser consumirão.

«Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa,
Tu, Lua, cuja prata converti,
Se já não podeis dar-me essa beleza
Que tantas vezes tive por querer,
Ao menos meu ser findo dividi —
Meu ser essencial se perca em si,
Só meu corpo sem mim fique alma e ser!

«Converta-me a minha última magia
Numa estátua de mim em corpo vivo!
Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,
Anónima presença que se beija,
Carne do meu abstracto amor cativo,
Seja a morte de mim em que revivo;
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!»

Fernando Pessoa

sábado, 19 de janeiro de 2013

Hora Grave

Quem chora agora algures no mundo,
  sem motivo chora no mundo,
  chora por mim.

Quem ri agora algures na noite,
  sem motivo ri na noite,
  ri de mim.

Quem vagueia agora pelo mundo,
  sem motivo vagueia pelo mundo,
  vem até mim.

Quem morre agora algures no mundo,
  sem motivo morre no mundo:
  olha para mim.


Rainer Maria Rilke, O livro das imagens
(tradução portuguesa de Maria João Costa Pereira)

sábado, 5 de janeiro de 2013

To the Thawing Wind



COME with rain, O loud Southwester!
Bring the singer, bring the nester;
Give the buried flower a dream;
Make the settled snow-bank steam;
Find the brown beneath the white;
But whate’er you do to-night,
Bathe my window, make it flow,
Melt it as the ices go;
Melt the glass and leave the sticks
Like a hermit’s crucifix;
Burst into my narrow stall;
Swing the picture on the wall;
Run the rattling pages o’er;
Scatter poems on the floor;
Turn the poet out of door.


 Robert Frost

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Ah! Ser indiferente!

Ah! Ser indiferente!
É do alto do poder da sua indiferença
Que os chefes dos chefes dominam o mundo.

Ser alheio até a si mesmo!
É do alto do sentir desse alheamento
Que os mestres dos santos dominam o mundo.

Ser esquecido de que se existe!
É do alto do pensar desse esquecer
Que os deuses dos deuses dominam o mundo.

(Não ouvi o que dizias...
ouvi só a musica, e nem a essa ouvi...
Tocavas e falavas ao mesmo tempo?
Sim, creio que tocavas e falavas ao mesmo tempo...
Com quem?
Com alguém em quem tudo acabava no dormir do mundo...

Álvaro de Campos