quarta-feira, 31 de março de 2010

O Andaime

O Andaime
 
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.


Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sábado, 27 de março de 2010

Desafio - Onde são as ilhas


Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?
Eugénio de Andrade

Desafio os leitores a responder a Eugénio de Andrade: Onde estão as barcas? Onde são as ilhas?

quinta-feira, 25 de março de 2010

O Passado é o Presente na Lembrança

O Passado é o Presente na Lembrança
Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.

Ricardo Reis, in "Odes"

terça-feira, 23 de março de 2010

Quem Sonha Mais

Quem Sonha Mais? 

Quem sonha mais, vais-me dizer —
Aquele que vê o mundo acertado
Ou o que em sonhos se foi perder?

O que é verdadeiro? O que mais será —
A mentira que há na realidade
Ou a mentira que em sonhos está?

Quem está da verdade mais distanciado —
Aquele que em sombra vê a verdade
Ou o que vê o sonho iluminado?

A pessoa que é um bom conviva, ou esta?
A que se sente um estranho na festa?

Alexander Search, in "Poesia"

domingo, 21 de março de 2010

Verdade? É relativo

Um conto oriental sobre a relatividade da verdade:

Certo dia, o rei preocupado com a falta de verdade dos seus cidadão, mandou chamar um conhecido ermita que vivia na floresta e perguntou-lhe o que podia fazer para que as pessoas fossem melhores.
- Posso dizer-lhe, majestade, que as leis não bastam para tornar as pessoas melhores. Os Homens têm de cultivar certas atitudes baseadas na compaixão e na claridade da mente, para alcançar a verdade de ordem superior, que nada tem a ver com a verdade comum. - respondeu o ermita.
Desconcertado, o rei reagiu:
- Do que não há dúvida é que posso conseguir com que digam a verdade, posso obrigá-las a isso.
O sábio sorriu timidamente.
Dias depois, o monarca mandou montar um cadafalso na ponte que dava acesso à cidade e um esquadrão revistava e interrogava todos os que quisessem passar. «Se disser a verdade entrará; se mentir, será conduzido ao cadafalso e enforcado», eram as ordens do rei.
Ao raiar do dia, e após uma noite de meditação, o ermita dirigiu-se  à cidade. Avançou para a ponte quando o capitão da guarda se interpôs no seu caminho para o interrogar:
- Onde vais?
- Vou a caminho da forca, para que me possam enforcar - respondeu o sábio serenamente.
- Não me parece - duvidou o capitão
- Então, capitão, se menti, enforque-me.
- Mas se te enforcamos por teres mentido - replicou o capitão -, teremos tomado certo o que disseste e, nesse caso, não te teremos enforcado por mentir, mas por dizer a verdade.
- É isso mesmo - afirmou o sábio. - Agora sabe o que é a verdade... a sua verdade! Informe sua majestade sobre isto..
Deu meia volta e os seus passos dirigiram-se à frondosa floresta onde vivia.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Talvez...

Labirinto ou não foi nada
Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.


David Mourão Ferreira
À Guitarra e à Viola

quarta-feira, 17 de março de 2010

Aviso de mobilização

Aviso de mobilização

Passaram pelo meu nome e eu era um número
- menos que a folha seca de um herbário.
Colheram-no com mãos de zelo e gelo;
escreveram-no, sem mágoa, num postal.


Convite a que morresse. .. mas por quê?
Convite a que matasse. .. mas por quem?
Ó vago amanuense, ó apressado
e súbito verdugo, que te ocultas
numa rubrica rápida, ilegível,
que dirás tu do meu e de outros nomes,
que dirás tu de mim e de outros mais,
no Dia do Juízo já tão próximo
- que dirás tu de nós, se nem tremeu,
na rápida rubrica, a tua mão?

Bem sei que a tua mão só executa;
mas para além do ombro a ti pertences.
Bem puderas chorar, ter hesitado. . .
- A mancha de uma lágrima bastara
para dar um sentido a esta morte
a que a tua indiferença nos convoca!



David Mourão Ferreira
Tempestade de Verão

terça-feira, 16 de março de 2010

Desenhar uma flor

Desenhar uma flor

Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas.

A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Almada Negreiros, in “O Regresso ou o Homem Sentado – III parte”

segunda-feira, 15 de março de 2010

E por vezes

Ontem não coloquei nada novo propositadamente, para deixar amadurecer este último poema, no qual considero muito importante reflectir. 

E por vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro da noite não os meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão Ferreira

sábado, 13 de março de 2010

Gozo Sonhado é Gozo, ainda que em Sonho

Gozo Sonhado é Gozo, ainda que em Sonho 
Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.
Nós o que nos supomos nos fazemos,
Se com atenta mente
Resistirmos em crê-lo.
Não, pois, meu modo de pensar nas coisas,
Nos seres e no fado me consumo.
Para mim crio tanto
Quanto para mim crio.
Fora de mim, alheio ao em que penso,
O Fado cumpre-se. Porém eu me cumpro
Segundo o âmbito breve
Do que de meu me é dado.

Ricardo Reis, in "Odes"

O que este poema nos diz é verdade, e extremamente importante.
Recentemente, esse potencial do sonho (e aqui sonho refiro-me àquilo que toda a gente vivencia de noite, na fase REM) tem vindo a ser usado como terapêutica e como forma de melhorar o quotidiano. Falo de perder peso fazendo exercício nos sonhos, conseguir deixar de fumar, ou até melhorar a coordenação dos membros.
Estas realizações baseiam-se na descoberta fruto de investigações (mais ou menos recentes, mas actuais) em que se notou que as zonas do cérebro em actividade correspondiam àquilo que o sujeito imaginava fazer. Isso também é notório em sujeitos que estão sob aparente coma (ligação em inglês).

Desnoções e algibeiras

desnoções & algibeiras
para ser grilo
há que ter algibeiras
onde também caibam silêncios.
ser sorrateiro
espreitando entre dois fios de relva.
saber fazer uma teia invisível
onde o infinito se armadilhe.
encarar o universo com
demasiada intimidade
– a modos que quintal.
saber que:
as estrelas encarecem
de carinho
e brilham para mais desanonimato;
sonetar com roncos de garganta
mas desminar rebentamentos no coração.
para ser grilo
há que ter desnoções.
viver que:
há só uma distanciaçãozinha
entre apalmilhar um quintal
e acomodar estrelas num abraço.

Ondjaki
(de  http://www.kazukuta.com/ondjaki/ha_prendisajens.html)

quinta-feira, 11 de março de 2010

As palavras

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 10 de março de 2010

Sê paciente; espera

Ontem falhei a minha mensagem habitual.
Para os que notaram a minha falta, dedico-lhes este poema:
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


Eugénio de Andrade

segunda-feira, 8 de março de 2010

Entre o Sono e Sonho


Entre o Sono e Sonho
 
Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

domingo, 7 de março de 2010

Sonho noutro sonho

Um poema  de Edgar Allan Poe, Dream Within a Dream (original aqui), declamado por Isabel Sá Lopes. A tradução é de Margarida Vale de Gato (em "Edgar Allan Poe - Obra Poética Completa"), a melhor que encontrei em Português. Obrigado ao comentador anónimo que me indicou a fonte da tradução.



 Sonho noutro sonho


Aceita em tua fronte este meu beijo!
E, neste instante em que te deixo ,
Deixa que ao menos te confesse
Que não é ilusão , se te parece
Que minha vida em sonhos se entretece ;
Mas, se acaso a esperança fugidia
Se some numa noite ou num só dia ,
Numa visão...ou não...será por isso
Menos certo o seu sumiço ?
Tudo o que é visto , tudo o que é suposto
É só um sonho noutro sonho posto

Eis-me aqui entre o bramido
Do mar que junto à costa é sacudido
E guardo na mão fechada
Uns grãos de areia dourada ...
Tão escassos !... mas num segundo
Dos dedos vão para o fundo ,
E eu choro , ah , desabalado !
Oh , Céus ! Porque os não aperto
Com um laço mais esperto ?
Oh , Céus ! Por que não posso eu salvar
Um só...das garras desse ímpio mar?
Tudo o que é visto,tudo o que é suposto
É só um sonho noutro sonho posto ?

 


Fonte: blogue Escutando a Isabel

sábado, 6 de março de 2010

Ainda sabemos cantar

Dispensa explicações ou introdução. O poema diz tudo.

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 5 de março de 2010

É importante criar desobjectos

tinha aprendido que era muito importante criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. não munido de nenhum artefacto alegre, inventei um espanador de tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.

Estas palavras são de Ondjaki, um emergente escritor angolano, que tem uma relação diferente com as palavras, referindo-se à sua recente obra de poesia, materiais para confecção de um espanador de tristezas.
Cito dois poemas dele, para mostrar o potencial positivo das coisas/palavras más:
“o início”

segui a lesma. a baba dela parecia um rio de infância perdido no tempo. escorreguei no tempo.
nesse rio havia um jacaré. a fileira enorme de dentes lembrou-me uma pequena aldeia cheia de cubatas [talvez a aldeia de ynari];
adormeci na aldeia.
ouvi um barulho – era a lesma a sorrir.
o sorriso fez-me lembrar um velho muito velho que escrevia poemas. os poemas eram restos de lixo que ele coleccionava no quarto ou no coração das mãos.
abracei o velho. quase que eu esborrachava a lesma.
(retirado de http://www.kazukuta.com/ondjaki/espanador_de_tristezas.html)

O Obsceno, A Obscena
era que: obsceno, ou obscena, eram palavras bonitas.
adoro apreciar um corpo pela obscenidade - fica bonito
até excitar a comoção.
já vi uma boca obscena que era um poema vivo.
uma mão obscena já me desconcentrou a existência.
línguas obscenas trazem paz ao caos de um orgasmo.
mais até:
uma vez, uma nuvem obscena fez o arco-íris corar.
o céu ficou lindo.
(retirado de http://sosleitoresmurca.blogspot.com/2010/02/receita-para-que-nao-murchem-nem-se.html)
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Sugestão de actividade


quinta-feira, 4 de março de 2010

Terror de te amar

A propósito de:
É tão difícil amar amando,
É difícil amar acreditando
Que amar na sua condição de amor
Não trará sofrimento ou dor
(excerto de um poema de Luís Severino, que pode encontrar aqui)
um poema de Sophia de Mello Breyner:

Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Céptico por sistema

Céptico por sistema

Gabava-se do seu cepticismo. (...) Achava-se o mais experiente e sagaz investigador espiritual, uma velha raposa a quem nada nem ninguém conseguia convencer. Mas um dia, de repente, apercebeu-se de quão vazio estava espiritualmente e de quanto conhecimento real lhe faltava. «Como é possível», perguntou-se, «se passei toda a minha vida a investigar?»
Desolado, soube (...) de um ioguim que habitava numa gruta nos Himalaias. Foi visitá-lo. Falou-lhe do tempo que passara a indagar e o critério que seguira. O ioguim disse-lhe:
- A dúvida ajuda-nos a prosseguir, mas onde nos pode levar a dúvida céptica e sistemática? Quero que amanhã te apresentes perante mim com um quilo de pêssegos. (...)
Assim que o Sol começou a despontar, o investigador céptico já estava junto do ioguim, incapaz de disfarçar a sua angústia e impaciência.
- Espalha os pêssegos no chão - disse o ioguim.
O investigador assim fez.
- Agora põe de lado os pêssegos podres e fica com eles.
O investigador tirou os pêssegos em mau estado e viu como o ioguim se punha a comer os bons.
- Pobre tolo! - exclamou com sarcasmo. - Tanta ênfase puseste em descobrir os pêssegos podres que deixaste de ver os bons.
O excerto transcrito descreve perfeitamente as consequências da ânsia desenfreada na busca dos defeitos. Fonte: Os Melhores Contos Espirituais do Oriente, recolhidos por Ramiro Calle, e editados em Portugal pel'A Esfera dos Livros.

terça-feira, 2 de março de 2010

O faz um poeta?

Por que é que os poetas o são?

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.



Sophia de Mello Breyner
Um poeta não se mascara, não calcula, não se abriga, mas sim revela todo o seu íntimo nas suas poesias.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma vez, enchi a minha mão de bruma

Sugiro que o façamos, que enchamos as nossas mãos de bruma, e aproveitemos a sua maleabilidade para tornar consistentes os nossos sonhos.


Uma vez, enchi a minha mão de bruma

Uma vez, enchi a minha mão de bruma.
     Quando a abri, a bruma era uma larva.
Voltei a fechar a mão, e então era um pássaro.
      E fechei e abri novamente a mão,
   e na sua palma encontrava-se um homem
    de rosto triste, virado para o céu.
       Mais uma vez fechei a mão,
    e quando a abri já só havia bruma.
Mas escutei uma canção de uma doçura extrema.
 

Kahlil Gibran
Areia e Espuma